O Engenho de Açúcar


O engenho era verdadeiramente uma "máquina e fábrica incrível", como observou o padre Fernão Cardim  ao final do século XVI, combinando atividades agrícolas e manufatureiras . Nessa agroindústria desenvolvia-se todo o processo de produção do açúcar , do plantio da cana à embalagem do produto final. A partir de 1530, a produção açucareira espalhou-se por todo o litoral da América portuguesa, principalmente nas capitanias de Pernambuco e Bahia. O Nordeste brasileiro oferecia um conjunto de condições favoráveis para o desenvolvimento dessa lavoura: clima quente, solo de massapê e maior proximidade do continente europeu relação às demais capitanias do Sul. Segundo o cronista Pero Magalhães Gandavo, em 1570 havia cerca de 60 engenhos na América portuguesa, 55 deles em capitanias do Nordeste. Nos relatos de Fernão Cardim , em 1583, o número subia para 115 , dos quais 106 estavam distribuídos pelas capitanias de Pernambuco, Bahia , Ilhéus e Porto Seguro. Os lucros fabulosos e as facilidades encontradas permitiram ao açúcar brasileiro dominar o mercado mundial , ao menos até as primeiras décadas do século XVII. A produção açucareira foi implantada na América em associação direta com o trabalho escravo . A produção em larga escala e o "serviço insofrível", como qualificou Fernão Cardim , exigia um número imenso de trabalhadores submetidos a uma situação de exploração quase ilimitada.
Como já foi mencionado , a maioria dos colonos portugueses que vinha ao Novo Mundo não se dispunha  ás desonrosas atividades manuais e desejavam, de imediato, obter terras e escravos para seu sustento. Mesmo assim, nos trabalhos mais especializados , que requeriam técnicas apuradas, utilizavam-se trabalhadores livres e artesãos. As tarefas mais rudes e árduas foram, desde o início, destinadas aos escravos. Até o final do século XVI, a escravidão indígena foi amplamente empregada nos engenhos de açúcar . Nos séculos seguintes, ela continuou sendo utilizadas nas capitanias do Sul e nas regiões do Grão-Pará e Maranhão, como solução para a necessidade de braços nas lavouras. Gradativamente, os engenhos foram introduzindo negros africanos escravizados , que acabaram por se tornar a mão-de-obra característica da produção açucareira. Além da resistência dos indígenas , que deslocavam com suas tribos para o sertão , fugiam das fazendas ou promoviam ataques aos portugueses, outro motivo fundamental dessa mudança foi a lucratividade do tráfico negreiro. Transportados e comercializados pelos portugueses , os escravos africanos geravam altíssimos lucros para a Metrópole, o que o cativeiro indígena estava longe de oferecer. Os negócios do açúcar , intimamente associados à escravização de negros africanos, eram as minas de ouro" da colonização portuguesa. Articulavam-se assim, num mesmo sistema produtivo, as possessões portuguesas dos dois lados do Atlântico. Como afirma o historiador Fernando Novais: "Paradoxalmente, é a partir do tráfico negreiro que se pode entender a escravidão africana colonial, e não o contrário". O trabalho nos engenhos colocava lado a lado escravos africanos, escravos indígenas e trabalhadores livres. Os mestres e outros artesãos coordenavam as principais etapas do processo de fabricação do açúcar. A qualidade do produto dependia da perícia desses profissionais. No entanto, com o passar do tempo , algumas funções especializadas começaram a ser também realizadas por escravos  . Difundindo a escravidão para essas tarefas, os senhores deixavam arcar com os salários dos artesãos ao mesmo tempo que controlavam mais diretamente a produção de açúcar , uma vez que detinham sobre os escravos muito mais poder de mando. Contudo, tal substituição acarretou uma diminuição da qualidade do produto , atestada por cronistas do período colonial. A lógica do escravismo impunha o domínio do Senhor de engenho sobre todo o processo produtivo . Dentro dessa lógica , a perda da qualidade era preferível à perda de autoridade.
O engenho constituiu-se como unidade econômica básica da colonização portuguesa nos séculos XVI e XVII. Inicialmente  o termo designava apenas as edificações e instalações onde se realizava a produção do açúcar. Posteriormente . passou a denominar também o conjunto da propriedade açucareira, incluindo as lavoura , as terras não cultivadas , a casa-grande, na qual morava o senhor do engenho, a capela, onde eram realizados os ofícios religiosos , e a senzala , o enorme galpão que abrigava os escravos. Como centro da vida social, o engenho era o símbolo do poderio dos senhores de terras e erguia-se como modelo da organização da Colônia. Nas chamadas fazendas obrigadas , modestos lavradores , que dispunham de pequenas extensões de terra, cultivavam seus canaviais, mas processavam sua produção nas engrenagens dos grandes senhores de engenho. A fabricação de aguardente e de rapadura, possível de realizar-se e pequenas máquinas denominadas engenhocas, proliferou-se por toda parte. Em suas terras ociosas , em geral de baixa produtividade , os senhores de engenho estabeleciam contratos de arrendamento com homens livres pobres , que comprometia ficavam então sujeitos à prestação de favores ao grande proprietário. O enorme poderio econômico e político  dos senhores de engenho era evidente. Participavam do jogo político nas câmaras municipais , canal de expressão e atuação desses "homens bons". castigavam e submetiam os escravos a todos tipo de violência . Arbitravam conflitos entre os pequenos lavradores das fazendas obrigadas e exerciam enorme controle sobre eles, decidindo até mesmo sobre os casamentos de seus filhos, artesãos ou  arrendatários e os agregados , não apenas no tocante às suas atividades econômicas mas também políticas e sociais. Muitos destes transformavam-se em capangas, que faziam a guarda das terras do senhor e serviam como pequenas tropas utilizadas para resolver desavenças com outros poderosos.

  • Fonte: Livro "A Escrita da História' . De Flávio Campos e Renan Garcia Miranda (Pág. 207-208)